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Blue 258

Blue 258

...

Corro, e tu corres comigo

24
Set10

Se cada detalhe fica imbuído na nossa constituição, no teu caso é por demais. A cada salto, a cada pedra, a cada árvore, vejo-te. Vejo-te. Procuro fechar os olhos e continuo a ver-te. É ainda pior, sinto-me perder o equilibrio e vejo a passada a diminuir. Correr, tenho de continuar a correr. Não posso parar. Não. Procuro centrar-me em mim. O nariz frio. Boca entreaberta. Caninos meio expostos. A pelagem molhada. As patas que sulcam a terra quente. A chuva que insiste em cair. E o sangue a ferver. O sangue ferve. E eu corro. Corro. Corro cada vez mais. E mais. Procuro chegar ao limite das minhas forças. Corro, querendo fugir. Falhando. Por me sentir correr para ti. Corro, e tu corres comigo.

 

É hora de ir caçar novamente

24
Set10

Chegamos a um impasse. Nesta encruzilhada, a chuva começa a cair sobre nós. O fumo desprende-se da terra quente como que sem vontade.  A puerilidade do acto de deixar-se ir. Etéreo.  Aprendi com o caminho percorrido até aqui. Aprendi. Assimilei cada detalhe do teu rosto, cada característica do teu corpo, cada sinuosidade do teu movimento.

A chuva cai sobre nós, as gotas deslizam pela pelagem, tombam na terra escura. Uivamos em uníssono.  Pareces despedir-te de mim, deixando-me um até já, nunca um adeus. Pode ser que nos voltemos a encontrar. No mesmo espaço, noutro tempo. Agora foi fora de tempo.  E eu uivo, querendo dizer-te que também vou partir, mergulhar na noite, correr por aí. Correr, pelo simples prazer de correr. Correr.

Lançamos de novo o uivo em direcção à lua cheia, que o rebate na solidão da noite. Quebramos barreiras. Um nervosismo parece tomar conta de mim: mantenho o olhar fixo na lua, enquanto que te avalio de perfil. Permaneces imóvel. E hoje, acima de tudo hoje, imponente.

Pareces esperar, pacientemente. Esperas que parta de mim a decisão. A decisão de partir. Encorajo-me e centro o meu olhar em ti. Deixa-me gravar-te na minha memória mais uma vez. Já fazes parte de mim. E quando me lançar nessa escuridão, levo-te comigo. Parte de ti vai comigo. E deixo-te parte de mim. Uma caçada mal sucedida somente aperfeiçoa as habilidades e reaviva o desejo. E eu lanço-me a correr. Não espero que partas tu primeiro, não conseguiria ver-te partir. Corro. Corro. Cada vez mais. Corro.

Caçadora incansável. Destemida, impetuosa. É hora de ir caçar novamente. Esta noite, corro por aí... perdida. Enquanto o meu uivo ressoa na escuridão desta noite fria.

 

E a caça continua

28
Jun10

A aparente imobilidade dos nossos corpos mascara os músculos contraídos e o sangue em ebulição.  Sinto-me a ferver por dentro. Vejo-te, ali,  impávido, a dois metros de distância de mim. Eu procuro controlar a ânsia que sinto de te saltar em cima, de voltar a sentir o gosto do teu sangue na minha boca, de rebolar contigo na terra húmida. Pergunto-me em que pensarás tu.  Macho alfa, sem dúvida. Disso tenho a certeza. O teu olhar parece perscrutar-me as entranhas. Fico sem saber se a tua intenção é continuares o teu caminho ou demorares-te mais um pouco. Afio as garras, enterro-as na terra quente, não me esqueço - afinal, a caça continua. Tu e eu...  sob a lua cheia que se faz sentir esta noite.

 

Debaixo desta chuva...

01
Abr10

 

Corro. E como corro. Corro pelo prazer de correr. Pelo prazer de caçar. Corro firme no objectivo que me guia pela noite fria. Corro cada vez mais. E mais. Salto. Uma e outra vez. Salto. Sinto a textura da madeira, da pedra, da terra. Absorvo cada detalhe. Registo cada movimentação. O instinto animal à flor da pele. O prazer, sempre o prazer.

A inteligência. A persistência. A atenção nos detalhes e a inabalável paciência. Aqui estão as razões do nosso sucesso.

 

Vislumbro mais à frente uma bifurcação no caminho - corro ainda mais, sem saber porquê. Encontro-te. Vinhas a correr, fazendo uso da tua forte musculatura. De porte maior que o meu, quase que esbarramos um no outro. Desprevenida, e ao mesmo tempo deliciada por este encontro, salto.

Salto! Cravo-te os dentes. E afasto-me. Sinto o sabor do teu sangue na boca. Aos poucos, vai-se envolvendo com a saliva, e o sabor do teu sangue, penetra-me lentamente no corpo. Mordes-me em resposta. Sinto os teus caninos perfurarem-me a pele, e o sangue a brotar. Não estremeço: já estava a espera. Enquanto que eu lambo o teu sangue, e o saboreio, tu manténs-te impávido, e sereno.  Gotas do meu sangue e da tua saliva tombam sobre a terra quente e húmida. Não lambes, não saboreias, mas sinto que o meu sangue também se entranha no teu corpo, aos poucos, lentamente.

Mantemos o olhar fixo um no outro. Muitos dizem que os nossos olhos brilham no escuro, poucos porém percebem que nos servimos deles para comunicações mais delicadas. Movimentos minúsculos da musculatura ocular bem como mudanças no tamanho das pupilas, expressam surpresa, perigo, alegria, reconhecimento e outras emoções.

Há muito que nos observamos mutuamente. Há muito que nos estudamos.

Parados, imóveis, todavia atentos, ao mínimo movimento, a cada detalhe - e por dentro, o sangue em ebulição, os músculos a ferver com a adrenalina resultante deste encontro.

Há muito que te sigo. Há muito que me chamaste a atenção. Há muito que o meu objectivo... és tu. Mais jovem, impetuosa, dou um passo para a direita - tu, em resposta, não moves um único músculo. O que resultará deste encontro?

 

 

Tonight, I hunt again

27
Fev10

Caçamos geralmente em grupo, e à noite.  A caçada pode durar dias. Maxilares fortes e dentes afiados. Visão extraordinária. Ouvido sensível. Olfacto apuradíssimo. Corpo musculoso. Membros  longos e fortes. Enorme resistência. Hoje, caço sozinha. Algo me prendeu  a atenção, e é a curiosidade genética que me impele. Incansável. Destemida. Paciente. Perseverante.

 

Vou-te seguindo de longe, mantendo-me no teu rasto. Procuro não te perder de vista. Assimilo o teu comportamento, os teus hábitos, traços da tua personalidade. Decalcada na memória, a tua imagem.

A cada caçada, não apenas o trabalho, mas a diversão. A diversão em tudo. O prazer, acima de tudo. O prazer da espera, da perseguição, do ataque. O prazer. Sigo-te há muito. E não desisto. Continuo a seguir-te.

Quando te demoras, acalmo o corpo, vagueio em passo lento. Piso a terra molhada, nela deixo uma impressão suave e única.  Derrubo gentilmente as gotas de chuva que as folhas sustentam. Chove. Essas mesmas gotas de chuva beijam a minha pelagem, e dela escorrem, como que rendidas.

 

Cruzas a cidade. Escapas-te da minha linha de visão. Por onde te moves agora, não  te posso seguir. Desloco-me instintivamente em passo de corrida lento. Sigo pelo caminho mais longo que se reencontrará com o teu.  Procuro aumentar o passo.  Faço uso da musculatura.  Corro. Agora, corro. Corro pela floresta negra, imbatível na arte da caçada. Na mente repetem-se as imagens que tenho de ti. Nada mais me ocupa o pensamento, nesta noite espelhada pelo luar. E eu, eu, sou apenas o brilho destes olhos âmbar.

 

...

07
Fev10

No cimo de uns rochedos, os meus olhos âmbar fixam as constelações. O silêncio parece invadir a noite no dorso da bruma que se instala aos poucos. O  mesmo nevoeiro parece  tudo conquistar ao meu redor - até as cidades de cimento se vêem envolvidas pelo mesmo fenómeno. Sem poder resistir. Sem procurar oferecer qualquer resistência.

 

Salto. Um monumental salto. Ao embater no solo, as patas de veludo continuam a beijá-lo, apenas o beijam, sempre o beijaram. Corro. Veloz. Sinuosa. Furtiva. Corro. Cada vez mais.  E mais. O mesmo prazer que sinto em levar o corpo ao limite, sinto-o agora em cada músculo. Em cada contracção e extensão das fibras.  Em cada impulso eléctrico que me percorre os nervos. Corro. Sem pensar no que me faz correr. Corro.

 

For I'm out on the hunt

06
Fev10

Lanço-me pela floresta a correr. Aumento a velocidade. Corro cada vez mais...  e mais.  Apenas as patas marcam a minha passagem na terra quente e húmida. Disparada, procuro esquivar-me a cada pinheiro que surge no meu caminho. Salto. A força nos quadris, os músculos fortes, a precisão, a perfeição do salto. Quero ainda mais velocidade. Cravo veementemente as patas no solo, como se o beijasse apenas, e corro ainda mais. Velocidade. Esta noite, a floresta é minha.

 

Corro pelo prazer de correr. Pelo prazer de sentir a resposta dos músculos ao comando da mente. Corro para sentir o calor que se liberta a cada contracção.

Não sinto o frio. Apenas a chuva me acaricia o pêlo. Negro, com laivos de fogo. Caninos expostos. A boca entreaberta revela a língua quente, o calor que vem de dentro. Apenas o bafo  doce beija o ar frio da noite.

 

 Esbaforida, chego a casa. Tiro a pelagem. Let it rest. Tonight... I hunt again.