Caçamos geralmente em grupo, e à noite. A caçada pode durar dias. Maxilares fortes e dentes afiados. Visão extraordinária. Ouvido sensível. Olfacto apuradíssimo. Corpo musculoso. Membros longos e fortes. Enorme resistência. Hoje, caço sozinha. Algo me prendeu a atenção, e é a curiosidade genética que me impele. Incansável. Destemida. Paciente. Perseverante.
Vou-te seguindo de longe, mantendo-me no teu rasto. Procuro não te perder de vista. Assimilo o teu comportamento, os teus hábitos, traços da tua personalidade. Decalcada na memória, a tua imagem.
A cada caçada, não apenas o trabalho, mas a diversão. A diversão em tudo. O prazer, acima de tudo. O prazer da espera, da perseguição, do ataque. O prazer. Sigo-te há muito. E não desisto. Continuo a seguir-te.
Quando te demoras, acalmo o corpo, vagueio em passo lento. Piso a terra molhada, nela deixo uma impressão suave e única. Derrubo gentilmente as gotas de chuva que as folhas sustentam. Chove. Essas mesmas gotas de chuva beijam a minha pelagem, e dela escorrem, como que rendidas.
Cruzas a cidade. Escapas-te da minha linha de visão. Por onde te moves agora, não te posso seguir. Desloco-me instintivamente em passo de corrida lento. Sigo pelo caminho mais longo que se reencontrará com o teu. Procuro aumentar o passo. Faço uso da musculatura. Corro. Agora, corro. Corro pela floresta negra, imbatível na arte da caçada. Na mente repetem-se as imagens que tenho de ti. Nada mais me ocupa o pensamento, nesta noite espelhada pelo luar. E eu, eu, sou apenas o brilho destes olhos âmbar.