Há uma semana, a tarde pintava-se de azul; cristalino como as águas que balouçavam do céu e as do ribeiro que corriam inquietas para o rio. Água que corria desnorteada, presa numa moldura outonal. Por entre o castanho das madeiras, e o verde do musgo, ouvia-se esta mesma música, e sentia-se o toque das gotas de chuva nas folhas, a carícia da chuva nas árvores e as águas que se deitavam no ribeiro. A música transbordava, projectando-se em cada elemento que nos rodeava, só para depois voltar, feito boomerang, atordoando-nos com cada uma das notas de música.
P.S. Era o que eu te queria dizer na sexta. Vamos fugir. Os dois. Voltamos na segunda. Talvez... quem sabe. Pode ser que o meu coração faça do teu refém, e não mais o deixe partir. Pode ser que o calor do meu derreta o gelo do teu, e te envolva e entonteça. Deixa-te ir: eu seguro-te nos meus braços. Não te deixarei cair. Deixa que o meu coração nos leve. Até onde ele quiser.
«Ele partiu antes de tempo. Se é que existe um tempo nisto das partidas ou nas coisas da paixão. E isto não era mais que coisas da paixão.
Ele partiu e ela só se permitiu dizer espera quando tudo em si teve a certeza de que ele não poderia já ouvi-la. Depois disse baixinho era tempo, à espera que a voz enchesse de qualquer coisa o vazio. Sabendo que não há tempo nisto das esperas e que as esperas têm tudo menos tempo. Não há tempo nas coisas da paixão.»
[ela escreve-lhe quase todos os dias numa tentativa de fixar o que não se pode prender senão por dentro. atravessei a rua e quase fui atropelada porque hoje não consegui ainda sacudir-te da roupa que trago vestida. da pele. dos dedos. da saliva. não terás provavelmente noção desta invasão e eu não saberia como a explicar se precisasse de o fazer.
foste-me sempre familiar porque já te havia sonhado e por isso demorou tão pouco até que agarrasses tudo o que naquela altura me restava por dentro. se calhar é isto a loucura de que falam nos livros que leio. saí atrasada (e por isso atravessei a rua sem olhar) porque não me apetecia (e nunca me apetece) separar da tua presença que habita a minha casa e que eu provoquei com as histórias escritas nas horas vagas e para preencher a espera. lembras-te de como sem querer enchemos de intimidade o espaço entre nós? nessa altura eu pensava que eras tanto de verdade quanto de mentira. saber tanto e tão pouco sobre ti. de ti e da tua satisfação sempre incompleta.
há noites em que não posso adormecer. imagino-te a moveres-te noutra cidade, a atravessar a rua, distraído como eu, a desenhar numa mesa de café. como foi que tu me seduziste a razão?
não sei porque te conto isto. talvez precise de apagar de mim aquilo que te escrevo.
às vezes não ser satisfeito é parte de um desejo.]
Tocas no rosto enquanto o ar não sai Inspiro sem medo do acto que vem Envolvo os pés como mãos Do toque nasce a nossa ilusão
Desenhas os risos de um novo medo Que o peito demonstra sem qualquer sossego Faz tempo que a culpa se foi Ficámos de pensar só depois Do erro.
Já pouco nos resta fechar os olhos Escondemos actos sem qualquer receio ou angustia Que nos prende a vontade de sentir O corpo com prazer
Rasgas-me a roupa sem qualquer pudor Enquanto buscas o ar pela boca Passeias o teu cheiro no meu corpo Por entre os braços misturo tudo Após o prazer ficaremos mudos Sem saber Se é por uma noite
Grito teu nome sem saber Como será o amanhã Foi um sonho real Por uma noite.
Eu acho que ao contrário de muitas mulheres, os homens não enrolam nestas coisas do "estar a fim". Ou querem e mostram que querem, ou não querem e não há cá dúvidas.*
Quer os homens, quer as mulheres, sabem bem quando querem, o que querem e como querem. Vá, assumo a possibilidade de estarmos sujeitos a algumas nuances no que toca aos dois últimos pontos, mas a verdade é que sabemos bem quando queremos. É que nem há como enganar, nem por onde contornar o assunto, sabemos quando queremos. Sabemos.
Sabemos perfeitamente quando uma amizade começa a galgar as margens - tal e qual rio endiabrado - e a transbordar para outro campo. Sabemos. Sabemos que quando aquele moreno misterioso nos visita o pensamento este e outro dia, sabemos que não nos é indiferente. Sabemos. Sabemos perfeitamente que quando aquele fulano não nos sai da cabeça, faça-se o que se fizer, estamos fodidas (nunca sei se é com "u" ou com "o", desculpem lá).
E o caricato da vida, é o malabarismo de situações com o qual ela nos presenteia. Mesmo sem termos pedido. Mesmo sem andarmos à procura.
O que nós fazemos em determinada situação, e em cada caso específico, isso sim, já depende muito de cada um. Porque, convenhamos, há o caminho quase lógico a seguir, ou o mais fácil, quiça o escolhido por todos ou quase todos. Caminhos, decisões, escolhas. E tudo depende de nós. A vida depende de nós. E a vida é o que nós fazemos dela. ou tentamos. Pelo menos tentamos.
P.S. Este post parece ter começado com um propósito. Parece. Se algures pelo meio me perdi, a verdade é que no fim, acabei por mesmo por me perder. Ponderei até apagar este post. Mas a vida tem coisas destas, tem, e é desta forma, que aqui ficam registadas.
«Ficar parado, perdendo a noção do tempo e do comprimento da conversa que estendemos ao sol. Queres falar da razão do amor? Então erraste de novo. Não é a tua vez de dizer que me amas?
Ouço o som que nos aconchega e onde a luz baixa nos chama a dois. Porque quando são duas as vontades, depressa se tornarão em uma só - e quem nunca provou a doçura do afecto.
Detesto amar-te sabendo-te longe e indiferente. Custa-me todos os dias um pouco mais, mas um pouco menos com os anos. Sabes que quanto mais privamos a vista do que o coração sente, melhor ele segue caminho na direcção de outro. E custa-me largar-te em sombras, nas noites que prendem os teus braços aos meus.
Hoje queria ter-te dito o quanto te amava, mas o coração esteve longe, fora do meu peito. Prefiro matar-te agora em luz, que arrastar-te comigo para fundo do meu orgulho e do meu vicio de negar o que está certo.
O que sinto por ti morre hoje e nasce comigo todos os dias. Amanhã amar-te-ei pelo primeiro minuto da madruga e odiarei amar-te em todas as outras horas do dia, até que seja tarde de mais. Até que um dia seja o amanhã, que me segredaste ao ouvido.
Queres falar da razão do amor? Então erraste de novo. É a tua vez de dizeres que me amas.»