Sentimento pintado
Ocorre-me esta denominação - sentimento pintado - penso-a, sinto-a. Se o que foi escrito pode ter uma duplicidade de sentido, pode, e ouso até dizer que a tem. Ao ler, senti as cores das palavras, reconheci um sentimento que partilho, que é meu também, que faz parte de mim. Sempre fez.
Separa-nos a distância, centenas de quilómetros, de Viana do Castelo a Albufeira. Une-nos o amor ao mar. Um amor, uma forma de estar, e até uma forma de ser e de pensar, junto ao mar. Não o escrevi eu, e no entanto, consigo rever-me em cada palavra. Em cada uma.
«Fecho os sorrisos num livro, pequenos contos, histórias de fadas, de falas, de farsas, acordadas entre suspiros de primavera.
Sento-me, sinto-me e olho o horizonte a espera de uma qualquer revelação, uma qualquer verdade empírica.
A praia está vazia, pintada de amarelos torrados, verdes secos, céu e mar em cinzas desconcertantes. Espumas.
Um vazio. Esse vazio! O mesmo vazio que é irmão daqueles silencio ensurdecedores que nos deixam à beira da loucura.
São estas bermas. Estes barulhos que me fizeram uma falta imensa. A falta e a saudade que só quem nasce perto do mar jamais irá perceber.
No melhor dia do ano. No pior dia do ano.
Não fico muito tempo. Fico o tempo suficiente para me certificar que a ordem natural das coisas se manteve. Sempre se mantém.
Até ao dia.»
Vera Inácio, in Gata Preta