A estória das horas e dos minutos
Convidaste. Um almoço ou um café. Não respondi. Não sei se ainda não respondi por não saber o que dizer, se por pensar que acabou a doçura das minhas palavras, coisa tal é impossível de acontecer quando se trata de ti. Não sei se por me sentir amargurada pela tua ausência, pela tua falta, temo que essa amargura transpareça nas minhas palavras. E a ti, não quero de modo algum tocar-te com palavras amargas.
Temo, isso sim, as horas marcadas, os minutos contados, os segundos que se escapam por entre os dedos. Quero almoçar-te nos meus braços, beber-te nos meus lábios, beijar-te com o travo do café na boca. Isso sim. Não quero horas marcadas, minutos contados, segundos a escapar-se por entre os dedos. Quero, isso sim, os meus cabelos por entre os teus dedos, a minha boca na tua, e o corpo de encontro ao teu. Quero momentos indeléveis no tempo, e do tempo em si. Momentos que se demarcam do espaço. Momentos que se tornam eternos. Inolvidáveis.
P.S.: Mas eu não sou tua, e tu não és meu. E eu já quis ser tua, mesmo sem tu seres meu. E agora isso pende sobre mim como aqueles pêndulos dos relógios antigos, que marcam impiedosos as horas e os minutos. Esses relógios sonoros, emperdenidos pelo tempo, altivos, encostados a uma parede, que por mais que possa ser pintada de cores modernas, não deixa de ser antiga. E o marcar do tempo não pára, não nos quer deixar sonhar, e as batidas fortes e cadavéricas acordam-nos para a realidade dos corpos efémeros. E o tempo passa, e os corpos cedem. Não cedem aos outros, mas cedem sob o pesar do tempo. E o tempo apaga a doçura escrita na pele, escrita com beijos e saliva, e apaga também a petulância da juventude que tudo quer consumir naquele momento. No momento em que sente. Naquela hora, naquele minuto, naquele segundo.