É hora de ir caçar novamente
Chegamos a um impasse. Nesta encruzilhada, a chuva começa a cair sobre nós. O fumo desprende-se da terra quente como que sem vontade. A puerilidade do acto de deixar-se ir. Etéreo. Aprendi com o caminho percorrido até aqui. Aprendi. Assimilei cada detalhe do teu rosto, cada característica do teu corpo, cada sinuosidade do teu movimento.
A chuva cai sobre nós, as gotas deslizam pela pelagem, tombam na terra escura. Uivamos em uníssono. Pareces despedir-te de mim, deixando-me um até já, nunca um adeus. Pode ser que nos voltemos a encontrar. No mesmo espaço, noutro tempo. Agora foi fora de tempo. E eu uivo, querendo dizer-te que também vou partir, mergulhar na noite, correr por aí. Correr, pelo simples prazer de correr. Correr.
Lançamos de novo o uivo em direcção à lua cheia, que o rebate na solidão da noite. Quebramos barreiras. Um nervosismo parece tomar conta de mim: mantenho o olhar fixo na lua, enquanto que te avalio de perfil. Permaneces imóvel. E hoje, acima de tudo hoje, imponente.
Pareces esperar, pacientemente. Esperas que parta de mim a decisão. A decisão de partir. Encorajo-me e centro o meu olhar em ti. Deixa-me gravar-te na minha memória mais uma vez. Já fazes parte de mim. E quando me lançar nessa escuridão, levo-te comigo. Parte de ti vai comigo. E deixo-te parte de mim. Uma caçada mal sucedida somente aperfeiçoa as habilidades e reaviva o desejo. E eu lanço-me a correr. Não espero que partas tu primeiro, não conseguiria ver-te partir. Corro. Corro. Cada vez mais. Corro.
Caçadora incansável. Destemida, impetuosa. É hora de ir caçar novamente. Esta noite, corro por aí... perdida. Enquanto o meu uivo ressoa na escuridão desta noite fria.