A caminho dos correios - ainda as burocracias - dei por mim a pensar: ena, há tanto tempo que eu não falo do coração no blogue. E logo eu, que tinha o firme propósito de exterminar tal assunto deste recanto, dou por mim a pensar que afinal, afinal, não me sinto tão bem como supostamente pensava que me sentiria ao fazê-lo. Tudo bem, estava zangada com o coração, bati o pé e falei mais alto. Não há mais lamechice aqui no blogue. Acabou-se. Já não seria a primeira vez em que tal extermínio ditador tentava tomar de assalto a direcção do blogue.
Entretanto, passei pelo Shiuuuu, e ouvi esta música. E não resisto, é que não resisto mesmo. A verdade é que há uma escada para o meu coração, há. Mas acontece algo ao estilo da Starship Enterprise, e do género: beam me up, Scotty. E só dá para um. E o pior, é que aquela coisa parece que tem código, e ainda por cima é daqueles todos xpto, com impressão digital e reconhecimento de voz: só dá para aquele. Aquele. Aquele. Acho que já deu para perceber a ideia...
A Biometria serve-se da premissa de que cada indivíduo é único e possuí características físicas e de comportamento (a voz, a maneira de andar, etc.) distintas. E o coração, já se sabe, não é nada fácil de enganar. Acreditem, eu já tentei. Ainda por cima, o coração é sensível a todo um sistema de informação que escapa aos demais dispositivos de identificação. Mesmo ao estilo de The Matrix, estão a ver? É isso tudo: um mundo paralelo. Depois digam-me lá que o coração é parvo. Ou não.
Woe is me Faithless you and selfish me I will leave a key for you outside my doorway
Woe is me One if by the land or two by sea So won't you leave for me a light outside your doorway
On a ladder from there to here I'll climb All this clatter between my ears I find Does it matter if i can't clear my mind There's a right and a wrong time
I shot for the sky I’m stuck on the ground So why do I try, I know I’m going to fall down I thought I could fly, so why did I drown? Never know why it’s coming down, down, down.
I seem to forget how Easy I fall out I'm not yours and you're not mine I can't afford to I have to avoid you But you come to me at night
It's not my fault That I want to have it all
With you . Again. You... 'Cause we're the same
Come back when you can. Let go, you'll understand. You've done nothing at all to make me love you less. So come back when you can.
estive uns tempos com a asa partida, sem poder voar. o processo de recuperação foi lento e teve os seus altos e baixos, como tudo na vida, aliás. vi passar a Primavera, o Verão, o Outono e o Inverno, até aparecer de novo a Primavera. sucedeu-lhe o Verão, depois o Outono e novamente o Inverno. e eu deixava-me estar. pequenas micro-fracturas proporcionaram-se ao longo do tempo, a cada novo embate, mas entretanto, a asa sarou.
a alma... a alma é que o mais complicado de cuidar. e a de um pássaro ainda pior. é suposto que um pássaro voe, é suposto que o faça de forma mais ou menos desajeitada, mas é suposto que voe. um pássaro pode quebrar uma asa, mas não pode deixar de voar. não pode. se o faz, deixa de ser pássaro. enquanto a asa se cura, tem de continuar a voar. caso contrário, morre. e a verdade é essa: mesmo de asas partidas, devemos continuar a voar.
o meu erro foi esse. mesmo de asa partida, fiz o que não devia ter feito: deixei de voar. depois da asa curada, pensava que não voltaria a voar. perdi as minhas capacidades, dizia eu. já não consigo voar. e enquanto que me deixava assim a pensar, morria. o pássaro morria. e pássaro que é pássaro tem de voar. pássaro que deixa de voar, deixa de ser pássaro.
foi preciso aparecer um pássaro garboso, um amigo daqueles que se quer guardar para toda a vida, que se quer a voar a nosso lado, para me olhar do fundo daqueles olhos brilhantes e me dizer: o que estás a fazer aqui perdida? pergunta para a qual eu não tinha resposta. perguntas. respostas. palavras. como tudo se pode resumir a tão pouco. e a tanto. tanto. agora sinto-me de novo com forças para voar, e vejam, vejam como me lanço agora num voo escarpado, como me desafio confiante não do local onde vou aterrar mas do voo que entretanto encetei. confiante do meu voo. de mim.
custou a levantar do chão. custou. custou a levantar voo. ainda agora tenho momentos em que olho lá para baixo e penso: e se eu pousasse por um bocado? um bocadinho só, digo eu. mas não. há que voar. tenho de voar. pássaro que é pássaro tem de voar. e eu sou pássaro.
acompanham-me nos voos dois pássaros, mais fortes, que voam decididos - parecem ter voado sempre assim - como os admiro. tanto. confiantes. brincalhões. mesmo sem lhes pedir, deram e dão a força e a energia que preciso para voar. impelem-me a voar mais alto, a testar-me a mim própria, a conhecer-me. a ser eu. de perto acompanham os meus progressos, as piruetas que desenho no ar. os saltos que me comprometo a dar. de vez em quando, voam comigo, testando não a recuperação da minha asa, mas a da alma. a da alma. e eles sabem. eles vêem(-me).
tenho ainda outro pássaro pequenito, mas grande, tão grande, tão... faz voos curtos e suaves, colorindo o meu dia. outro, um pássaro doce e ferido como eu, partilha os meus refúgios no rio. abrigamo-nos numa pedra, vendo as águas correrem para o mar. também nós querendo correr... para o nosso mar.
um dos pássaros que me acompanha há mais tempo, segue-me carinhosamente do seu ninho de amor, sem me perder de vista, apoiando-me, fortalecendo-me nas minhas escolhas. outro, brincalhão, entretém-se no seu ramo preferido, saltando, chamando-nos sempre com a sua boa disposição.
outros pequenos pássaros enchem o caminho de sons, cores e sentimentos. dou por mim, a assistir o voo de outros, quando o meu ainda se define com a rota que procuro traçar. correntes ascendentes, descendentes, dias de sol, dias de chuva. e nós voamos. e eu voo.
but you can skyrocket away from me and never come back if you find another galaxy far from here with more room to fly just leave me your stardust to remember you by
Sei que a melhor forma de reconhecimento é voar. Voar convosco. Acompanhar-vos. Ver-vos voar. Deixar-vos ver-me voar. Voar. E eu voo. Hoje voo. Sigo o meu caminho. Vou desenhando a rota que pretendo cumprir. Tenho-vos a todos nela, e isso faz-me feliz. E por isso vos agradeço.
Atenção: qualquer semelhança com a realidade NÃO é mera coincidência.
P.S. Não foi propositado o uso de minúsculas, tão ao estilo de valter hugo mãe - escrevi a dada altura um post, esse sim, propositadamente escrito desta forma. Desta vez, comecei por apontar as primeiras frases do que me ocorria escrever, desvalorizando as minúsculas: depois corrijo, pensei eu. Entretanto, o texto foi-se alongando e a minha vontade de o editar como que se desvaneceu. E agora fica assim, para que possa ser lido sem travões, em pleno voo.
Queria ter aquela casa na praia. Aquela, sem vizinhos por perto. Acordar todos os dias, olhar em frente, e ter ali o mar. Perder o olhar no horizonte todas as manhãs. Perder-me contigo. Todos os dias.
Hoje, quero aquela casa à hora de almoço. Quero-te lá. Quero-te.
[Já não é a primeira vez que roubo uma musiquinha da playlist do Shiuuuu. E esta, para dizer a verdade, roubei-a três vezes.]